Adão e Eva Antes da Queda

Nós retornaremos às orígens porque lá nós encontramos pela primeira vez a compreensão divina do relacionamento entre homem e mulher e o que Deus espera deles. Uma leitura do texto indica claramente que eles foram criados iguais e que um não foi colocado sob a autoridade do outro.

Criados à imagem de Deus. “E criou Deus o homem [ha’adam, ‘ser humano’]  à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gen 1:27). Ambos homem e mulher são feitos à imagem de Deus, ambos são abençoados, ambos dividem a responsabilidade de procriação, ambos devem subjugar a terra, ambos devem governar sobre o reino animal (Gen 1:26-28). A natureza deles é a mesma, e sob Deus eles exercem as mesmas funções. Embora os termos “homem” e “mulher” tenha uma conotação de diferença sexual (biológica) e outras diferenças, é ordenado tanto ao homem quanto à mulher igualmente e sem qualquer distinção a ter domínio, não um sobre o outro, mas juntos sobre o restante da criação de Deus. Esses versos explicitam e demonstram fortemente a ausência de hierarquia do homems sobre a mulher.

Adão criado primeiro. O fato do homem ter sido criado primeiro, antes da mulher, pode sugerir para alguns que Adão deveria ter autoridade sobre Eva, mas contextualmente esse não é o caso (por ex. os animais foram criados antes de Adão). Mas toda a descrição de Gênesis 2 é escrita para demonstrar que a criação da mulher no final da narrativa corresponde em importância à criação do homem no início. A criação da mulher é o clímax da história da criação. O movimento do texto é do incompleto para o completo. A criação de Adão antes de Eva significa que a criação do ser humano ainda não estava completa. Podemos afirmar claramente que o Adão de Gênesis 2 é o aspecto masculino do Adão de Gênesis 1 que foi criado à imagem de Deus como macho e fêmea [a palavra adam significa “ser humano”]. O ‘adam de Gênesis 2 é o ha’adam de Gênesis um em processo de criação. Contextualmente é isso o que o escritor bíblico está querendo comunicar a nós.

Adão e a lei. Uma leitura de Gen 2:16, 17 dá a impressão que Adão recebeu uma ordem específica de Deus e era esperado que ele informasse a Eva sobre isso (como se ele fosse o seu tutor). Em primeiro lugar, em respeito a quem era o tutor no jardim do Éden, apenas sabemos que Deus e os anjos eram seus instrutores [Educação p. 20; Patriarcas e Profetas p. 50]. Em segundo lugar, é lógico assumir que assim que Adão foi criado Deus precisava alertá-lo sobre a transgressão [YI, February 27, 1902 par. 1]. Em terceiro, sabemos que Deus também disse a Eva que ela não deveria comer da árvore do conhecimento do bem e do mal [ST, October 8, 1894, pars. 2, 3]. Deus também instruiu a ambos a respeito de como trabalhar e cuidar do jardim [Ibid., par. 1]. Deus deu instruções específicas a ambos e os fez responsáveis diante dEle. Ele os tratou como iguais.

Criada da costela de Adão e para ele. A criação de Eva a partir de Adão indica a igualdade entre eles. Ao usar o material bruto da costela, Deus escolheu criar uma bela mulher enquanto Adão dormia. Eva foi criada da costela de Adão (não de seu pé ou de sua cabeça) para mostrar que ela “estava a seu lado como sua igual” (Gen 2:21, 22) [Patriarcas e Profetas p. 47]. Gênesis 2 fala diretamente sobre a questão dos papéis relativos ou funções no relacionamento entre o primeiro homem e mulher: Eva deveria ser “ajudadora” de Adão (‘ezer kenegdo, Gen 2:18). O termo ‘ezer, frequentemente traduzido como “ajudadora” no original não denota um ajudante subordinado ou assistente, como o termo português “ajudador” normalmente indica. Utilizado principalmente em relação à Deus (como em Ex 18:4; Deut 33:7, 26; Sal 33:20; &0:4; 115:9-11), esse termo relacional nas escritural simplesmente aponta para um relacionamento benéfico. O termo kenegdo significa literalmente “que é sua contraparte”, e portanto a frase inteira “‘ezer kenegdo em Gênesis 2 significa nada menos do que uma beneficiadora que é sua contraparte - uma “parceira” igual (Gen 2:18, 22) tanto em natureza quanto em função.  Ellen White escreve: Quando Deus criou Eva, ele a fez para que ela possuísse nem inferioridade nem superioridade em relação ao homem, mas que fosse igual em todas as coisas. O santo casal não deveria ter interesse na independência um do outro; mas cada um possuia uma individualidade em pensamento e ação” [Testemunhos para a Igreja vol 3 p. 484, ênfases adicionadas. Cf. Patriarcas e Profetas p. 58, “Na criação Deus a criou igual à Adão”. Ellen White se refere à igualdade de função sem hierarquia tanto como igualdade ontológica, como deixa claro na próxima sentença, na qual a sujeição/submissão da mulher ao marido é introduzida apenas após a queda: “Se houvessem eles permanecido obedientes a Deus - em harmonia com Sua grande lei de amor - sempre estariam em harmonia um com o outro; mas o pecado trouxera a discórdia, e agora poderia manter-se a sua união e conservar-se a harmonia unicamente pela submissão por parte de um ou de outro.”. Tal contraste deixa claro que uma hierarquia de papéis envolvendo liderança/submissão não estava presente antes da queda].

A criação de Adão e Eva foi um ato único no qual a separação e reunificação exercem um papel importante. Adão foi criado primeiro, e consequentemente seu primeiro relacionamento social foi com o Criador, e não com Eva. Desejando dar a Eva o mesmo privilégio, Deus põe Adão sob um sono pesado. O primeiro relacionamento de Eva foi com Adão, mas com Deus, e então Ele a traz até para Adão para iniciarem um relacionamento em união um com o outro e com o Criador. Separação nesse caso é seguida por reunificação. Eva é criada da costela de Adão e trazida para ele. É diferente da maneira que Deus cria outras coisas. Nesses casos não havia reunificação porque algo radicalmente foi criado (Gen 1:4, 7, 9; 2:7). A terminologia “de” e “para” é utilizada (I Cor 11:8, 9) para indicar a igualdade de Adão e Eva assim como seus gêneros diferentes. Ela deveria ser uma bênção para ele como igual.

Dando nome à mulher. Quando Adão recebe a mulher do Criador ele exclama: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher [‘ishah], porquanto do homem [‘ish] foi tomada” (Gen 2:23). Devemos tomar cuidadosa atenção à linguagem utilizada aqui. Adão não está celebrando o fato de Eva estar sob sua autoridade mas que ele agora tem uma companheira que corresponde à sua própria natureza (“osso dos meus ossos”). Na verdade, o ato de dar nomes no Antigo Testamento normalmente significa a habilidade de discernir, i.e ele discerne a verdadeira identidade dela (cf. Gen 16:13). Além disso, em Gênesis 2:23 dois “passivos divinos” são usados. O primeiro, que ela “foi tomada”, indicando que foi Deus que executou a ação. O segundo, “esta será chamada”, indicando que depois de criá-la Deus é o que a chama de “mulher” (“esta será chamada [pelo Senhor] mulher”).

Casamento. A igualdade de Adão e Eva é expressada na fórmula do casamento: “Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne [bashar ekhad]“ (2:24). O relacionamento de Adão e Eva é estabelecido como o padrão para todos as futuras relações maritais humanas. Em uma sociedade patriarcal, espera-se que a mulher “ligue-se/junte-se” ao seu marido, e portanto a força dessa declaração é que tanto homem quanto mulher se “juntem” entre si. Essa união recíproca indica a ausência de submissão de um sob a autoridade do outro. Da mesma forma, no contexto da aliança matrimonial, o marido e a mulher se tornam “uma só carne” (bashar ekhad). Essa expressão aponta para uma união e intimidade no relacionamento total de todo o ser do homem com todo o ser da mulher, uma harmonia e união entre um e outro em todas as coisas.


Em resumo, Gênesis 2, assim como Gênesis 1, não dá nenhuma evidência que pode ser usada para sustentar uma sujeição da mulher ao marido antes da queda. Em vez disso eles são representados como totalmente iguais, sem nenhuma insinuação de natureza diferente ou hierarquia funcional.

(Conferência Geral: Teologia da Ordenação, Relatório do Comitê de Estudo - Junho de 2014 p. 69-71)

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