Homem: o "cabeça" da mulher?

(2) Eu os elogio por se lembrarem de mim em tudo e por se apegarem às tradições, exatamente como eu as transmiti a vocês. (3) Quero, porém, que entendam que o cabeça de todo homem é Cristo, e o cabeça da mulher é o homem, e o cabeça de Cristo é Deus. (4) Todo homem que ora ou profetiza com a cabeça coberta desonra a sua cabeça; (5) e toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta desonra a sua cabeça; pois é como se a tivesse rapada. 

(6) Se a mulher não cobre a cabeça, deve também cortar o cabelo; se, porém, é vergonhoso para a mulher ter o cabelo cortado ou rapado, ela deve cobrir a cabeça. (7) O homem não deve cobrir a cabeça, visto que ele é imagem e glória de Deus; mas a mulher é glória do homem. (8) Pois o homem não se originou da mulher, mas a mulher do homem; (9) além disso, o homem não foi criado por causa da mulher, mas a mulher por causa do homem. (10) Por essa razão e por causa dos anjos, a mulher deve ter sobre a cabeça um sinal de autoridade. 

(11) No Senhor, todavia, a mulher não é independente do homem, nem o homem independente da mulher. (12) Pois, assim como a mulher proveio do homem, também o homem nasce da mulher. Mas tudo provém de Deus. (13) Julguem entre vocês mesmos: é apropriado a uma mulher orar a Deus com a cabeça descoberta? (14) A própria natureza das coisas não lhes ensina que é uma desonra para o homem ter cabelo comprido, (15) e que o cabelo comprido é uma glória para a mulher? Pois o cabelo comprido foi lhe dado como manto. (16) Mas se alguém quiser fazer polêmica a esse respeito, nós não temos esse costume, nem as igrejas de Deus.
(1 Coríntios 11:2-16)

Ao lado de Efésios 5:23, a única outra passagem no NT que utiliza kephale “cabeça” no contexto dos relacionamentos entre homems e mulheres é I Coríntios 11:3. Essa passagem tem tema e terminologia relacionados à Efésios 5:21-33, e se concentra na submissão das mulheres à liderança de seus próprios maridos, e não na autoridade de homens sobre mulheres em geral. Enquanto muitos argumentam contra a ordenação de mulheres se baseiam no conselho de Paulo em I Coríntios 11, uma simples leitura dessa passagem revela que Paulo não está falando aqui sobre liderança da igreja e autoridade, nem sobre ordenação. Mas o propósito dessa passagem é instruir os coríntios em relação à vestimenta e não-vestimenta das coberturas da cabeça na liderança de reuniões da igreja, e esse é o argumento usado na sua  instrução.
Assunto principal da passagem.  Na realidade, o conselho de Paulo nessa passagem permanece em harmonia com outras passagens de suas cartas onde vemos mulheres exercendo liderança no ministério evangélico. Em I Coríntios 11:4, 5, Paulo identifica o assunto principal da passagem, e tanto homens quanto mulheres são retratados participando e liderando a adoração através de oração e profecia (ou seja, aconselhando e instruindo os crentes reunidos em nome de Deus; cf. I Cor 1:1-5, 29-33). Tal liderança é descrita aqui exatamente nos mesmos termos para homens e para mulheres sem nenhuma sugestão de desaprovação ou diferenciação entre os dois, nem no tipo ou no nível de liderança a qual eles exercem.
Prática Cultural. Por muitas gerações, os adventistas não compreenderam essa instrução como significando que mulheres devem cobrir as cabeças enquanto os homens não precisam no serviço de adoração. Isso tem sido considerado uma instrução cultural específica em um contexto particular. Tal reconhecimento pela igreja não é resultado do abandono dos conselhos das escrituras, mas é feito pelo motivo oposto - por estar totalmente atenta e obediente às preocupações culturais fundamentais reveladas na passagem.
Paulo afirma explicitamente nos versos 4-6 que sua preocupação em relação ao cobertura da cabeça é a questão de trazer mais desonra do que honra sobre a cabeça da pessoa. De fato, a preocupação com a honra é desenvolvida mais adiante nos versos 7-9, onde Paulo diz que a mulher é a glória do homem. É para essas percepções que ele retorna nos versos finais, apelando para o que é geralmente considerado “apropriado” para a mulher, “natural” para o homem, e geralmente praticado pelas igrejas (vs. 13-16). As instruções de Paulo de que é “vergonhoso” para uma mulher ter sua cabeça raspada (v. 6) devem ser compreendidas em consideração ao alto valor dado à honra na sociedade greco-romana. Nessa sociedade uma mulher com a cabeça descoberta ou raspada corria o risco de ser considerada adúltera ou prostituta, e uma mulher que falava em público de forma casual à homens que não eram seu marido, era considerado como se estivesse tentando seduzi-los.
Uso do termo “cabeça” (kephale). Paulo inicia seu argumento em relação à cobertura da cabeça no verso 3 usando uma figura, uma metáfora, para falar para essa cultura de honra/vergonha sobre o que é “apropriado” e “vergonhoso” para homens e mulheres em uma situação pública na igreja. Ele usa a metáfora da “cabeça” para demonstrar que o que um indivíduo crente faz com sua cabeça física afeta também sua cabeça metafórica. Portanto a escolha de um homem em relação ao que cobre a sua cabeça não é simplesmente uma questão de liberdade de escolha, mas afeta a honra com a qual os outros verão Cristo, o cabeça dele. Da mesma forma, a liberdade de escolha de uma mulher em relação a cobertura da sua cabeça não afeta apenas à ela mesma mas também ao seu marido/”cabeça”, e por fim à Deus, o “cabeça” absoluta.
A palavra para cabeça (kephale) era usada por judeus e gentios para se referir a uma variedade de ideias ligadas ao lugar da cabeça física em relação ao corpo, incluindo a de proeminência, de representação do todo, de ser o primeiro ou a fonte. Nessa passagem, Paulo se concentra na ideia metafórica de Adão como o primeiro criado, e portanto a fonte da qual a mulher foi criada (vs. 8, 9). Esse uso faz perfeito sentido com o verso 3, e de fato é o melhor sentido cronologicamente. É ao dizer que Cristo foi o primeiro, ou a fonte, em relação ao homem (abrangendo toda a humanidade, como em Rom 4:8; Ef 4:13); que o homem, Adão, foi o primeiro, ou a fonte, em relação à sua mulher, Eva; e Deus foi o primeiro, ou fonte, em relação à Cristo (o Messias) ao enviá-Lo para redimir a humanidade.
Conectando com Gênesis. Nos versos 7-9, Paulo incrementa a metáfora da “cabeça” ao adicionar várias razões pelas quais as mulheres deveriam se preocupar em não desonrar seus maridos. Embora, assim como o homem, a mulher foi criada à imagem de Deus, Paulo se concentra aqui no fato de que ela teve o privilégio adicional de ter sido criada para completar as necessidades do homem e ser a sua glória. Paulo vai à Gênesis 2 e proporciona uma excelente leitura dessa passagem. Ele nota que em Gênesis a mulher é criada do homem - essa é a origem imediata dela - e não o homem da mulher. Esses são os fatos. De acordo com Paulo, a mulher veio para enriquecer o homem e nesse sentido ela adiciona glória/honra à ele. Ela foi criada para o benefício do homem, e não o homem para o benefício dela, porque ele foi criado antes dela ter sido criada. Para Paulo e para Gênesis essa é a própria fundação da diferenciação de gênero. Esse argumento é usado por Paulo para indicar que quando uma mulher participa na adoração ela deve cobrir sua cabeça com o objetivo de glorificar à Deus, e não ao homem. Ao fazer isso ela também evita a auto-glorificação porque o cabelo é a glória dela (v. 15).
Na cultura do primeiro século, era compreendido tradicionalmente que a “glória” da mulher, e especialmente seu cabelo, deveriam ser cobertos em público para evitar trazer vergonha por exibi-los orgulhosamente para aqueles que não eram parte da família. Em tais circunstâncias isso deveria ser especialmente importante num serviço de adoração, para evitar a distração e dar glória e adorar apenas à Deus. Note que, em seguida ao resumo de suas instruções no verso 10, Paulo equilibra sua argumentação nos versos 11-12 deixando claro que, desde a criação, é a mulher quem Deus tem colocado em primeiro, como fonte, pois ela é quem tem dado à luz a todos os homens desde Adão.

Em resumo, I Coríntios 11:2-16 faz uma distinção clara entre homem e mulher em relação ao vestuário, em harmonia com Deuteronômio 22:5, e exorta as mulheres à agir de modo que não desonrem seus maridos. Essa passagem não é sobre a proibição de mulheres servindo em papéis de liderança, nem é sobre uma liderança universal de homens sobre mulheres. Paulo não lê em Gênesis 1-3 um princípio nunca percebido ou expressado antes. Ele usa a passagem para demonstrar que desde o princípio a mulher enriqueceu a vida do marido e trouxe honra a ele e esse deveria continuar a ser o caso durante a adoração no contexto de um mundo decaído. Paulo está usando a referência da criação como uma explicação de seu argumento, não como a causa para um padrão universal de relacionamento entre homens e mulheres. Não há nada no contexto que daria suporte à ideia de que na igreja o ancião é a cabeça da mulher.


Conferência Geral: Teologia da Ordenação, Junho de 2014, p. 76-78

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