E quanto a Teologia da Liderança?

E quanto a Teologia da Liderança*?
(*headship - ou ser a "cabeça")

Jon Paulien é professor de interpretação do Novo Testamento no Seminário Teológico da Universidade Andrews, autor de vários livros e centenas de artigos e outras publicações.

Artigo originalmente publicado em 

Segundo o que eu percebo, tradicionalmente a oposição à ordenação da mulher na IASD está baseada em dois pontos, sumarizados a seguir: 1) A bíblia não diz que mulheres sejam ordenadas. 2) Nós nunca tivemos esse procedimento. Esses dois argumentos tem sido suficientes para manter as coisas do mesmo jeito durante décadas quando a questão não estava na agenda e não era central. Mas nos anos recentes se tornou evidente que esses dois argumentos não são mais suficientes. Considerando que adventistas estão sempre alertando contra a "tradição", um argumento que parte da prática corrente e histórica não irá muito longe. E o primeiro argumento também tem seus limites. A bíblia não ordena o uso de carros, celulares, computadores, facebook ou internet. Ainda assim, pessoas que consideram a bíblia literalmente usam todas essas coisas no mundo de hoje.

Então com a desintegração dos argumentos baseados na tradição que se opõem a ordenação das mulheres, meu velho amigo Sam Bacchiocchi se enclausurou por seis meses de estudo sobre a questão da ordenação para escrever um livro demonstrando que a bíblia é contra. Entretanto, independente do que você pense sobre a sua metodologia (sabendo antes de iniciar o estudo qual seria a sua conclusão), Bacchiocchi é um acadêmico muito capaz e determinado. Se houvesse algum argumento bíblico contra a ordenação de mulheres, ele iria encontrar. E ele encontrou. Chama-se "teologia da liderança" e ele encontrou no movimento "neo-calvinista", que ganhou força entre alguns evangélicos nos anos 70. Alguns dos grandes nomes que promoveram essa teologia são Wayne Grudem e Bill Gothard (eu já vi Gothard falando em mais de uma ocasião nos anos 70)

A teologia da liderança está baseada essencialmente em dois textos do novo testamento: I Coríntios 11 e Efésios 5. Apesar de esses textos terem sidos notados por adventistas e outros protestantes antes dos anos 70, eles nunca foram usados para ensinar o que os neo-calvinistas os usam para ensinar, que houve uma hierarquia na trindade desde a eternidade (Cristo em submissão ao Pai), que Eva estava em submissão a Adão antes da queda, que o pecado de Eva foi tentar fugir de seu papel na criação, e que o pecado de Adão foi não ter exercido sua autoridade sobre Eva. Alguns neo-calvinistas pensavam até que a escravidão era apropriada sob a luz desses escritos. Embora essas ideias se tornaram atraentes para Bacchiocchi como uma maneira de impedir a ordenação das mulheres,  elas não eram conhecidas no adventismo antes de Bacchiocchi (1987), portanto sua introdução no adventismo me parece uma medida desesperada que podemos nos arrepender um dia. É possível pegar apenas uma maçã de uma árvore que inclui outras maçãs como predestinação, um inferno ardente e eterno e santidade do domingo? Para um estudo mais profundo de como a nova teologia da liderança entrou na igreja adventista, veja http://www.smashwords.com/books/view/433232

Há alguns anos, antes de eu sequer pensar em relacionar a teologia da liderança com a questão da ordenação da mulher na igreja adventista, eu escrevi um ensaio sobre a linguagem do NT em relação à liderança e autoridade. Creio que isso tenha implicações em relação à teoria da liderança. É possível tirar conclusões de um texto ou dois que são contrárias à ideia geral das escrituras. Qualquer doutrina que ensinamos deve estar baseada em toda a bíblia, nem em alguns textos convenientes. Aqui está o que eu tenho a dizer sobre a palavra grega para liderança (ou cabeça - kephalē), por exemplo:

"O significado original de kephalē se refere à cabeça física de uma pessoa, a parte que contém o cérebro. Por extensão é usada metaforicamente como referência à posição superior de uma pessoa, ou a categoria superior em uma hierarquia. No hebraico do Antigo Testamento, "cabeça" (rosh) é frequentemente aplicada a líderes humanos, como o patriarca de uma família (Ex 6:14, 25), o líder de uma tribo (Nm 7:2; II Cr 52), ou simplesmente líderes em geral (Ex 18:25; Nm 25:4; Jz 11:11). Esses "cabeças" no Antigo Testamento eram parte de um sistema hierárquico de liderança (Ex 18:21) no qual cada "cabeça" exercia um papel específico abaixo ou acima de outras cabeças. 
"No Novo Testamento, kephalē também é usado no sentido básico. Mas nas epístolas de Paulo, cabeça e corpo são usados como metáforas de Cristo e da igreja e ocasionalmente kephalē é aplicada ao papel do marido em casa (Ef 5:25-27). A igreja, entretanto, escolheu não aplicar essa palavra para apóstolos, supervisores, anciãos e diáconos, ela era aplicada somente a Jesus Cristo. A igreja é mais do que uma instituição, é um organismo vivo, e organismos vivos podem ter apenas uma cabeça sem problemas. Funções de liderança na igreja, portanto, são substancialmente diferentes do que em outros tipos de organizações. Como "cabeça" Cristo é o único que sustenta o corpo e provê o seu crescimento."

Note como o Novo Testamento usa a linguagem de liderança de uma maneira completamente diferente do Antigo Testamento. No AT há uma linguagem de hierarquia e categoria, porque assim que era o mundo antigo. Mas à luz da cruz, o NT introduz uma nova forma de liderança, liderando através do serviço e do auto-sacrifício. Portanto palavras gregas que implicam em hierarquia de domínio nunca são usadas para cargos na igreja. Nem é usada a linguagem de "cabeça". Jesus não veio para ser servido, mas para servir (Marcos 10:45). E se você viu Jesus, você viu como Deus é (João 14:9). Esse é o contexto mais amplo no qual textos como I Coríntios 11 e Efésios 5 devem ser lidos.

Quando você "considera a bíblia como se lê", sem nenhuma consideração do ambiente antigo ou do contexto bíblico mais amplo, não é difícil imaginar que I Coríntios 11 e Efésios 5 sugerem algum tipo de hierarquia entre homem e mulher. Alguém pode sugerir que essa hierarquia é ensinada no texto e tem a intenção de ser um princípio absoluto para todos os tempos. Mas quando você presta atenção ao significado desses textos no contexto antigo e bíblico mais amplo, você vai ver que Paulo está usando a liguagem da cultura, mas direcionando as pessoas para a cruz de Cristo como o princípio que iria, no fim, desfazer essa cultura. Ainda que a bíblia não determine a ordenação de mulheres, não seria antibíblico sugerir que a abolição de categorias e distinções humanas a serviço de uma missão maior.

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